quarta-feira, dezembro 10, 2008

Caiçaras paulistas podem sumir com novas leis

JÁ NESTE VERÃO NÃO SERÁ MAIS TOLERADA A PRÁTICA DE JET-SKI, ASSIM COMO A CONSTRUÇÃO DE CASAS E VISITAS ÁS ILHAS. AS ÁREAS DE MANGUEZAIS RECEBEM MAIS PROTEÇÃO

As ilhas, como a Queima Grande, ao longo de toda a costa paulista, de Ubatuba a Cananéia, só poderá ser visitadas com autorização do governo estadual (Foto: Márcio Martins)

JOSÉ VANIR DANIEL

Se já estava insustentável a condição de vida dos últimos caiçaras devido ao universo de leis protegendo a costa litorânea paulista se tornará ainda complicada com os novos decretos sancionados pelo governador José Serra (PSDB), em outubro, que proíbe criteriosamente a pesca predatória e a aplicação pesada de multas por danos ambientais em toda a costa do litoral paulista. Para reforçar o cumprimento das novas determinações, o próprio governo, através de seus órgãos ambientais, fiscalizará e se atentará até mesmo quanto ao sistema de esgoto e lixo de navios, como os de turismo.
Para a comunidade de caiçaras, isolados em vila de pescadores, assim como os quilombolas e indígenas, os novos decretos são necessários, desde que não sejam contra a prática de suas culturas e costumes, as quais são mantidas a pelo menos há quatro séculos. Ocorre, no entender dos caiçaras, que as novas leis não distinguem os nativos dos invasores e visitantes em relação aos habitantes de suas comunidades, enquadrando todos numa mesma situação.
Para o empresário Ari Correa da Costa, que se considera caiçara autentico, as novas medidas visam expulsar de vez os nativos e enviando-os às cidades, convivendo como uma situação em que são vistos com discriminação por não estarem habituados a esta civilização. “O caiçara gosta de viver na natureza e é defensor intransigente do seu meio, muito mais que qualquer lei governamental”, revela.
Um dos principais líderes, na década de 70, do movimento contra a construção de usinas nucleares na Juréia, pelo governo militar da época, Costa se diz arrependido quanto a isso. Ele lembra que o governo de Franco Montoro (MDB) prometeu não só proteger a Juréia, mas todos os seus habitantes nativos da época em convivência harmônica com todo o sistema. “No entanto não foi o que aconteceu. Depois que Montoro deixou o governo, os caiçaras praticamente foram obrigados a deixarem seus lugares por que não encontraram o respaldo prometido. Como até hoje, protege-se a mata, menos ao cidadão que vive nela e as defende desde os tempos da colonização, como foi com os meus antepassados”, comenta.
Ainda em relação ao temor da construção de usinas na Juréia, Costa lembra que no caso de Angra de Reis ocorreu ao contrário. “Lá, está havendo uma perfeita harmonia entre os nativos do lugar, os quais passaram a serem protegidos de fato não só pela lei, mas também por causa das usinas. Além disso, o município recebe royalties que tem sido aplicado na defesa do ecossistema. Até o turismo aumentou no lugar. Enquanto que aqui em Iguape, temos uma linda proteção, mas os nativos estão morrendo de fome e sendo expulsos pelos invasores”, revolta-se.
É pensando nesta situação caótica dos caiçaras que Alfonso Dari Weiland, conhecido em Bertioga como Alemão, lutou para se eleger vereador pelo PRP. Para ele, urge-se a necessidade da Prefeitura do município criar mecanismos de proteção para definir o que é área verde e onde pode ser permitida a construção de moradias. “Temos que pensar nisso com extrema urgência, pois senão Bertioga poderá perder suas características de cidade preservacionista do meio ambiente e se tornar um completo caos urbano em pleno litoral”, analisa.

PREOCUPAÇÕES – Nas aldeias de pescadores, a preocupação, como sempre, é de que as novas leis impeçam os nativos de praticarem suas atividades peculiares em decorrência dos que de fato as infligem. A Colônia de Pescadores de Iguape também se mostra preocupada com isso, mas estuda formas de alertar parlamentares para que sensibilizem o governo quanto à realidade dos pescadores nativos.
Há três anos, na Barra do Ribeira, em Iguape, um grupo de pescadores foi preso pela Polícia Ambiental de forma arbitrária acusado de pesca predatória. Neste semestre, a Justiça da Comarca de Iguape inocentou os mesmos pescadores por que não havia provas suficientes contra eles. Agora, eles entraram com processo contra o governo do Estado exigindo reparação pelos maus tratos que sofreram da Polícia. Segundo o advogado dos pescadores, Flávio Vieira Ribeiro, a lei está aí para ser aplicada, mas avisa que os homens que as cumpram faça isso com muita cautela antes de causar enormes prejuízos aos que são acusados injustamente. “Executem-se as leis, mas a quem de direito”, pondera.
Com os novos decretos, o governo estadual ampliou a área de proteção no litoral com a criação de três novas áreas de proteção ambiental que se estendem a 1,124 milhão de hectares de oceano, equivalente a 7,5 vezes a capital paulista na costa, abrangendo ilhas e arquipélagos.
Por exemplo, já neste verão, não será mais tolerada a prática de jet-ski, assim como a construção de casas em ilhas. Outro impedimento é no tocante a visita às ilhas, as quais só ocorrerão com autorização e número limitado de visitantes. As regiões de mangues, ao longo de toda a costa, sofrem mais proteção com as novas determinações que permitirão maior defesa e controle de obras que possam drenar essas áreas. Para isso, foi criado o Mosaico de Ilhas e Áreas Marinhas Protegidas que visa estabelecer normas para turismo, construção civil e demais atividades econômicas.

CONTRADIÇÕES - O Estado pretende apertar o cerco na fiscalização com o apoio direto do Instituto Oceanográfico da USP e das entidades ambientais locais que já atuam na defesa das reservas naturais.
Muito criticado pelas medidas severas a serem adotadas, Xico Graziano, secretário estadual do Meio Ambiente, diz que tem o respaldo do governador para colocar em prática as novas leis. Ele, pessoalmente, se colocou contra a implantação do porto do Vale do Ribeira em Iguape.
Mas, no entanto, se manifestou favorável a iniciativa do megaempresário Eike Batista na construção do Porto Brasil, em Peruíbe, justamente numa das maiores áreas de reserva indígena do estado.

Com as novas leis, o complexo da Juréia estará ainda mais protegida

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